Rara é a semana em que, por motivos profissionais, não tenha de falar com Vítimas. Vítimas de familiares, de sócios, de amigos, de namorados/as .E muitas vezes os carrascos destas vítimas são doentes mentais.
Nos anos 80 li um livro de uma crueldade inesquecível, da Albertine Sarrazin_"L'astragale".
A autora castigava-se a si mesma do primeiro parágrafo à última linha.Era vítima da vida e do homem idolatrado. E queria testemunhas do seu castigo:nós, os leitores.Fui lendo e tentando intuir se ela queria a nossa piedade ou a nossa repulsa.Eu sentia ambas.
Quando falo com vítimas acontece-me um pouco o mesmo.Sinto que estamos de lados diferentes de uma barricada.E no meio de uma insurreição.
As vítimas parecem-me fascinadas pelo agressor! descrevem-no e descrevem as sevícias a que são submetidas como se se engrandecessem pelo horror em que estão envolvidas!
Não se querem afastar do agressor.Tentam,isso sim, que a "autoridade" afaste o agressor delas.De preferencia para um local onde depois o possam ir visitar..
Não são capazes de assumir que aceitaram um papel passivo e dependente há muito tempo e num tempo muito longo.E esse papel passivo é o campo sobre o qual o agressor avança, primeiro com pés de lã ,depois com sapatos de camurça, mais à frente com botas cardadas até conseguir enfiar os cascos nos estribos.E cavalgar!
A relação vítima /agressor é tão intensa como a mais intensa paixão. Basta ler, por exemplo, S.Teresa de Ávila , para sentir ferver o fervor dessa Paixão!
Ou L'astragale.
Piedade? repulsa??
O que mais sinto é a minha impotencia para fazer a fissão de tais relações!e apercebo-me que , enquanto a relação não for interrompida, a vítima é cega e acorrentada à sua própria condição.